Perdigão, com um fardinho de cerveja ao fundo. “De segunda a quarta descanso, porque churrasco e cerveja quatro dias na semana é puxado.“
Da casa de Cleiton Eduardo Vicente, 36 anos, até a Vila Olímpica do Boqueirão, não são mais do que 10 minutos de caminhada. E se foi ali, na cancha de areia do Paraná Clube que tudo começou, é na mesma casa e no mesmo bairro onde cresceu, a poucos metros do campinho em que deu seus primeiros passos no mundo da bola, que Perdigão aproveita os dias.
Campeão do mundo com o Internacional em 2006, Perdigão hoje não esconde de ninguém que está de bem com a vida. Na mesma rua em que jogava futebol com os amigos e de onde saiu para ganhar a América e o mundo, ele recebeu o Impedimento para uma conversa bem humorada sobre este esporte que nos põe malucos uma ou duas vezes na semana.
Simples, com a geladeira aguardando os engradados e completamente à vontade com passado, presente e futuro, Perdigão falou sobre Inter, seu encontro com Eurico Miranda, a amizade com Adriano Gabiru, uma certa mágoa com Mano Menezes e outras histórias dos seus 15 anos de carreira. ”Se eu fosse aquele cara mais chato, mais questionador, poderia ter feito coisas diferentes. Mas eu sou campeão do mundo, não é?”, resumiu.
Confira a entrevista completa concedida por Perdigão:
Tu mora pertinho da Vila Olímpica.
Comecei a bater bola na areia, ainda no Pinheiros. Quem conhece a Vila Olímpica sabe que tem uma cancha ali do lado. Estava sempre naquela rotina de morar pertinho e ir treinar. Mas precisei parar um tempo, tenho um irmão que é especial, o caçula da nossa família. Acabei precisando cuidar dele, minha mãe perguntou seu poderia fazer isso, era um moleque ainda. Quando retornei, já tinha acontecido a fusão entre Colorado e Pinheiros, que acabou resultando no Paraná Clube. Cresci lá dentro, infantil, juvenil, mais tarde profissional. Foi um período importante, aquele time do Paraná era fantástico.
Mas ainda novo tu acabou negociado com o Atlético-PR, não é?
Na época eu era uma promessa. De repente estava com 17 anos em um Sul-Americano com a seleção – fui disputar uma Taça São Paulo ainda pelo Paraná, acabei sendo convocado, deixei a delegação em São Paulo e fui para o Chile. Na volta, cheguei em casa em uma quinta-feira e, teoricamente, estava dispensado até a próxima segunda. De repente aparece o Paulo Miranda aqui na frente de casa. “Vamos treinar?” Pensei que ele estava louco. Então ele falou que tínhamos sido vendidos para o Atlético-PR. Eu fiquei meio perdido, queria saber quem tinha autorizado e me disseram que meu pai tinha assinado a transferência.
E tua rápida passagem por Portugal? Foi sua única experiência no exterior?
Antes tive uma passagem que não dá nem para chamar de experiência: fiquei 15 dias na Bulgária. Não agregou nada, quer dizer, foi só para passear e viajar! Não entendi o que aconteceu, mas também dei graças a Deus por não ter ficado. Tinha um brasileiro por lá, mas o cara era meio bandidinho. Ele estava lá há mais tempo, era nosso intérprete, mas acho que o treinador falava algo e ele sacaneava a galera. Ele dizia que passaram vários brasileiros por lá e só ele ficou. Depois comecei a achar que ele era meio traíra. Porra, e tinham as montanhas, gelo puro, dez metros de neve. Voltei correndo. Já no Belenenses fui por intermédio do Abel Braga, que tinha trabalhado em Portugal e foi meu treinador no Atlético. Cheguei no final da temporada, fiquei quatro meses lá, saímos da segunda divisão para a primeira. Depois tentaram estender o empréstimo, mas o Atlético não quis. Foi um pouco frustrante, porque talvez pudesse ter tido uma sorte um pouco melhor na Europa. Joguei na mesma época em que o Deco estava aparecendo, o Porto tinha aquele time fantástico, com o Jardel marcando gols de todos os jeitos.
Tua primeira passagem de destaque pelo Brasil, atuando como titular, é no Joinville?
O Roberto Cavalo me ligou e o CAP cogitou me emprestar. O Cavalo insistiu e me levou para lá. Depois de 13 anos, o time foi bicampeão catarinense. Também cheguei a ser eleito melhor jogador do campeonato. Foram dias divertidos.
Depois do Joinville, tu acabou passando por aquele XV de Campo Bom que fez boas campanhas no Gauchão e na Copa do Brasil. Qual era o segredo daquele time?
Ninguém acreditava naquele time, para ser sincero, nem eu. Foi minha primeira experiência no futebol gaúcho e achava que não tinha nada a ver com meu estilo, nunca fui de chegar forte, dar pancada. Mas mandaram a passagem para que conhecesse a estrutura do clube, vi que o CT era bacana, o gramado era bom e o pessoal estava disposto a trabalhar. Porra, eles pagavam certinho! Dia 5 ou dia 20, a grana estava na conta, era só você escolher! Então o Mano chegou e começou a montar o time e, nessa parte, ele é um profissional muito competente. Contratou o Dauri, que já tinha jogado no Botafogo e no Juventude – e ele era impossível, fazia gol e dava caneta direto nos treinos; acho que nunca tomei tanta caneta na vida como naquela época. Depois veio o Márcio, que tinha passado pelo Figueirense, fomos juntando experiência com jogadores mais novos. Fizemos um grande estadual, mas a Copa do Brasil foi desgastando um pouco, então chegamos nas semifinais mas acabamos eliminados no Gauchão. Os jogos mais divertidos daquela campanha foram contra o Vasco, em Campo Bom acabou 1 a 1, no finalzinho eles tiveram a chance de marcar com o Valdir, mas não fizeram. Fomos para o Rio de Janeiro pensando em nos divertir, “Pô, hotel em Copacabana, de frente para o mar”. Na hora do jogo não tinha pressão nenhuma e tudo começou a dar certo, o Dauri marcou, um, dois… Já a semifinal contra o Santo André foi um pecado. No Pacaembu estávamos ganhando por 4 x 1, era um chocolate, eles não estavam nem vendo a bola. Mas depois cochilamos, eles marcaram mais duas vezes e acabamos ganhando por 4 a 3. Na volta, chegamos para o jogo no Olímpico e foi muito legal, Campo Bom compareceu em peso, 15 mil pessoas mais uns perdidos que recolhemos na rua! O anel inferior do Olímpico lotou! No superior, claro, não tinha ninguém! Saímos ganhando e pensei “já era”, estávamos jogando bem. Mas no finalzinho do 1º tempo, os caras empataram. No começo do 2º fizeram 2 a 1. Mais dez minutos, 3. E nós pressionamos, ficamos em cima, mas a bola não entrou. Foi um choque, uma das maiores frustrações da minha carreira. Imagina um time como aquele fazer uma final contra o Flamengo no Maracanã lotado? Era um time com jogadores de qualidade, outros querendo voltar ao cenário, um treinador competente, uma boa estrutura e o salário na conta todo dia 5!
E torcedor não quer saber disso, você reclama e já é mercenário,
os caras acham que todo mundo é o Neymar!
O quanto pagar em dia é importante no futebol?
Jogador acha que ganha bem. Hoje, um moleque com 16 anos, já está ganhando R$ 5 mil, andando de carro. Isso falando por baixo, dos times médios. Em time grande é absurdo. Naquela época, maluco ganhava R$ 3 mil e no outro dia já aparecia com uma corrente de ouro que custou mil. Não adianta, quanto tu vai ver, já acabou! Comparando com alguém que trabalha em uma firma, mesmo que seja R$ 1.500, em determinado dia ele sabe que o dinheiro vai estar na conta. Jogador não tem esse respaldo. Então começa uma bola de neve: tu tenta fazer as coisas, mas às vezes não dá. E cada um tem suas dificuldades: quem não tem filho, consegue segurar um pouquinho mais. Agora imagina o atleta que está em casa, com o bebê chorando, nêgo batendo na porta cobrando aluguel, ele tem que ajudar a família, é complicado demais. E torcedor não quer saber disso, você reclama e já é mercenário, os caras acham que todo mundo é o Neymar! Hoje em dia o jogador tem que ser precoce. Antigamente você tinha mais tempo para aparecer, agora não. Eu me profissionalizei com 17 anos e me aposentei com 32. Foram 15 anos de carreira, tive altos e baixos, sofri bastante no começo e nos últimos seis anos joguei em times maiores, conseguindo me estabilizar. O engraçado é que você contribui todo o mês, na tua carteira tem o salário e os impostos vão saindo, mas você encerra a carreira e não se aposenta. 95% dos jogadores profissionais vivem de mixarias, empurrando com a barriga. Nos primeiros três meses, joga um Paranaense em alguma equipe do interior. Depois não acha nada e precisa trabalhar na empresa de algum parente, como segurança, vendedor, qualquer coisa para ganhar o dinheirinho dele. Depois, lá pelo final de outubro, acerta com algum outro time para jogar outro estadual e fica nisso, sem conseguir dar segurança para sua família.
Depois do XV de Campo Bom, tu tem uma rápida passagem pelo Caxias e então acaba acertando com o Inter. Foi o melhor momento na sua carreira?
Com certeza. Quando estava jogando, ia bem. Se precisasse ir para a reserva, iria sem problemas, me sentia bem, só queria ajudar. Foram os dois anos e meio mais felizes que tive como atleta. Só fiquei chateado por não ter chego a marca de 100 partidas – foram 97 ou 99, não lembro. Mas quando saí nem tinha essa noção, só fui saber anos depois. Se soubesse, teria falado “pô, me deixem mais uns dias aqui”.
Tu lembra do seu primeiro dia no Beira-rio?
Porra, claro! Cheguei e fiz aqueles exames de praxe. Fui no vestiário e a primeira pessoa com quem conversei foi o Paulo Paixão. Eu sempre tive essa tendência a engordar, sempre foi uma briga difícil. E o Paixão disse que ali, no Inter, eu poderia encontrar tudo: estrutura, parceiros, amigos. Só não podia ter “picanha”. Mal cheguei e já me esculacharam. Depois conheci o Fernando Carvalho, assinamos o contrato e já desci para o treino. É algo que na hora tu não consegue mensurar, mas de noite, antes de dormir, você começa a pensar e, caramba, é um time com muita história, olha onde cheguei.
No seu primeiro ano no clube, tu é vice-campeão brasileiro…
É, foi estranho. Deus me livre! O Fernando Carvalho falou que se ficássemos três pontos atrás do Corinthians o título era nosso, entraríamos na justiça e ganharíamos. Tô aqui até hoje esperando a taça.
Mas logo no ano seguinte veio a Libertadores!
Na estreia empatamos com o Maracaibo, 1 a 1, lá na Venezuela. Pô, galera é muito corneta, acha que é derrota empatar com time venezuelano. Mas sabe um jogo que pouco é falado daquela campanha? Aquele 3 a 0 contra o Nacional-URU. Quando jogávamos em casa, o Abel gostava de usar eu e o Fabinho, para melhorar a saída de bola – fora de casa, a opção era pelo Edinho e Fabinho. Mas foi um baile contra o Nacional. Ô time catimbeiro, uma briga do caramba! Era só a segunda partida, mas 3 a 0, sentimos que podíamos ir longe. Ali, tiramos a touca. O Inter já havia chego em uma semifinal, em 89, com o próprio Abel no comando, o Leomir, auxiliar dele, perdendo pênalti. No vestiário, ele nos disse que Deus havia colocado ele no mesmo lugar para poder ser campeão depois de tantos anos. Foi algo que marcou demais!
Sempre fui uma pessoa alto astral. Vai ver isso até tenha atrapalhado um pouco minha carreira, sabe? Se eu fosse aquele cara mais chato, mais questionador, poderia ter feito coisas diferentes. Mas eu sou campeão do mundo, não é?
Para você essa partida contra o Nacional-URU é tão emblemática quanto a final contra o São Paulo?
Cara, foi sim. Mas contra o São Paulo também jogamos muito. O time estava solto, alegre, confiante. Isso faz muita diferença. No comecinho do jogo, o Josué acabou sendo expulso, mas logo o Fabinho também é expulso. Só que o Sóbis fez a melhor partida da vida dele. Saindo do Morumbi pensei “nunca iremos perder esse título no Beira Rio”. O Fernandão faz 1 a 0, o São Paulo empata. Depois o Tinga faz 2 a 1 e é expulso, e o Lenílson empata faltando cinco, seis minutos. Rapaz, ninguém mais tinha perna, se vai para a prorrogação… Mas baixou alguma coisa no Clemer e ele começou a pegar umas bolas impossíveis no final do jogo – ele deu uma falhada no gol do Fabão, então tinha mais é que pegar tudo mesmo.
Acaba o jogo e em meio as comemorações tu dá uma entrevista para a Fox Sports…
Porra, tu também vai me zoar com isso? Eu tava enrolando, claro! Até sabia o que queria falar, mas as palavras não saíam como tinham que sair. Então saiu em português, espanhol, paranaense, gaúcho, tudo misturado mesmo. Mas tem que ver que o Roberto Carlos ficou 10 anos no Real Madrid e também fala um portunhol arrastado. E pô, eu, em dois minutos, coloquei o espanhol do Luxemburgo no chinelo.
Sabemos que o título é do time, do grupo, mas o que chama a atenção sobre aquela conquista é que todos os jogadores daquele grupo citam o Abel. Qual é a real importância dele para aquele título?
Ele é foda, bicho! Soube afastar os egos, colocar todos no mesmo patamar, independente de quem jogava ou não. Ele tem aquelas loucuras dele, cariocão, ignorante, de fora pode parecer grosso para caramba, mas é uma mãe, muito gente boa. Quando tem que cobrar, ele cobra. O trabalho dele é fundamental, treinos de transição, postura tática e leitura do jogo. Ele é um cara do caralho! A energia que ele passa pra você não tem como descrever. Tem técnico que você percebe que tá só enganando, já com o Abel tu realmente acredita naquilo que ele está falando.
Dá para afirmar que foi o melhor treinador com quem você já trabalhou?
Eu considero um dos dois melhores. Todo jogador sempre vai lembrar do seu primeiro treinador, não é? Então os melhores foram o Otacílo Gonçalves, o ”Chapinha”, aqui no Paraná, e o Abel.
Como você se sentiu quando viu o seu nome na lista dos que iam pro Japão?
Sendo sincero, nunca passou pela minha cabeça não ir para o Japão. Eu treinava bem e no Brasileiro estava indo bem nos jogos. Mas depois começaram com uma conversa sobre “percentuais de gordura”. Estavam querendo me boicotar! Dei uma segurada e deu tudo certo. Primeiro teve aquela pré-lista, com 30 nomes. Depois veio a lista com os 23, já com o meu número: “Perdigão, 20″. Tô rindo só com a lembrança.
O Gabiru é uma pessoa muito simples. Se fosse outro cara, tinha comido o Inter com farinha. Mesmo depois do gol, em 2007, ainda questionavam ele. É uma falta de educação enorme. Aí vem um argentino qualquer, nem fardou e a torcida já idolatra.
Longe de querer diminuir sua importância, mas você ficou os dois jogos no banco. Para você, qual seu papel naquela conquista?
Eu botava os caras para cima. Sinceramente, sei que não era um craque, mas tinha, sim, minhas qualidades como jogador. E mesmo sendo questionado, isso nunca me abateu, porque sempre fui uma pessoa alto astral. Vai ver isso até tenha atrapalhado um pouco minha carreira, sabe? Se eu fosse aquele cara mais chato, mais questionador, poderia ter feito coisas diferentes. Mas eu sou campeão do mundo, não é? Então, honestamente, não tenho do que reclamar. Mas de qualquer forma, nunca estava cabisbaixo. Sempre brincando, filmando a rapaziada. Se não pude ajudar dentro de campo, esse foi meu jeito de ajudar. Era como um “elo de ligação”. Tinha o pessoal mais reservado, Clemer, Fernandão, que gostavam de tomar um vinhozinho, “chatô-não-sei-o-quê”. E tinha o Gabiru, o Indião, essa galera mais “Skol litrão”, entende? Como eu era meio sem noção, juntava todo mundo.
Tu ainda tem contato com alguém daquele grupo?
Tenho. Esse dias até passei uma mensagem para o Índio: “Manda uma chuteira pra mim, seu filho duma égua”. Falo com o Jorge, o Bolívar, o Tinga, de vez em quando. Quando eles vêm jogar em Curitiba, dou uma passada no hotel. No final do ano passado, estive na cidade do Índio, ele fez um jogo beneficente. Joguei só 15 minutos, estava bêbado pra caramba! Tinha cerveja no banco, peguei e saí fora, estava muito quente! E eles ficaram lá jogando, que nem loucos! Como esses caras gostam de jogar jogos beneficentes? Deus me livre! Mas é divertido, o Índio é um dos grandes caras do futebol. Merece mais dois anos de contrato com o Inter. Brincadeira, merece só um!
Tu ainda estava no Inter quando dispensaram o Gabiru?
Foi a maior sacanagem, a maior “filha da putagem” da história do futebol. O Gabiru merece uma estátua lá, bicho. Isso não existe, o descaso foi muito grande. Uma sacanagem. Mas dá tempo de consertar. Liga para o cara, chama ele para fazer alguma coisa, a imagem dele é muito forte. Nem que seja para ele ir em CTG no interior segurando a taça. O Gabiru é uma pessoa muito simples. Se fosse outro cara, tinha comido o Inter com farinha. Mesmo depois do gol, em 2007, ainda questionavam ele. É uma falta de educação enorme. Aí vem um argentino qualquer, nem fardou e a torcida já idolatra – e não estou falando do D’Alessandro, porque ele merece a idolatria que tem, mas qualquer argentino que desembarca no Salgado Filho é recebido com festa. Já o Gabiru fez algo que ninguém fez, talvez mais ninguém faça, e não é nada. Um gringo faz uma firulinha e já é Deus. Vão tomar no cu! Lógico, sem generalizar, a torcida do Inter é incrível e tenho certeza que grande parte dela gostaria que o Adriano estivesse em uma situação melhor, mas tem um povinho, que pelo amor de Deus. Hoje tem colorado que não sabe onde o Gabiru está. Quando os caras querem achar, eles acham. Mas se perguntar, não sabem. Ele tinha que estar lá, presente. Óbvio, jogar não dá mais, mas fazendo algo pelo clube. O moleque ta aí, nós sabemos que a Andreia, esposa dele, o ajudou muito. Mas é uma pessoa sem maldade, meio ingênuo. Espero que a própria vivência o ajude nessas situações. Ele precisa estar no mundo do futebol, porque fora, coitado, ele não conseguirá fazer nada. É uma pena. Ele é muito amigo meu, de vez em quando ele vem aqui em casa, tomamos uma cerveja. Faz um mês que nos encontramos, fomos para praia no carnaval. Ficamos uma semana por lá, você dá muita risada com ele, é uma figuraça!
Como era a convivência com ele naquele grupo?
Era divertido demais! Nós dávamos uma saidinha porque ele curtia muito McDonalds – ele comprava três, sempre: comia um na hora, outro no carro e outro guardava para comer no hotel. Uma vez acordei de madrugada, e tava lá o maluco dormindo com o sanduíche na mão. No Japão, nós chegamos no quarto e tinha vários botões que pareciam com tomadas, para acender a luz. Ele não sabia qual apertar, acabou apertando vários, as cortinas começaram a girar e ele ficou desesperado. Cara, era uma figura! Tenho várias filmagens dele. Tenho umas imagens guardadas, vou lançar um filme e vou arrebentar!
Depois do Inter, você foi para o Vasco. Chegou a ter algum contato com o Eurico?
Quando cheguei lá o Celso Roth era o treinador. Ele chegou falando: “Ó, os caras aqui não gostam de cabeludo, não!”. Eu respondi: “É? Então lascou”. Ele falou que tinha que cortar o cabelo e eu disse “Não tem, não! Qualquer coisa pego minha mala e já volto embora”. Então subi na sala do homem. Cheguei, fiquei uma hora esperando, eu e meu empresário. Entrei naquela salona dele, chique, acho que hoje o Dinamite não usa para não associar a imagem dele com a do Eurico. Está lá aquele camarote enorme e ele não usa – gosta de ficar na arquibancada, tomando vaia e se ferrando! Bom, chegamos naquela sala lá e ele fumando o cachimbo dele, todo despenteado, suando, praticamente pronto pra encontrar as sombras do além. Sentamos e esperamos mais de meia hora para conversar, já dentro da sala dele. Ele telefonando, mandando alguém ligar para o moto-táxi, levar um remédio para mulher dele que não estava muito boa. Ele chega e fala “Eu gosto de você!”. E eu lá, com medo, porque a visão que quem não o conhece tem é de que cara é o Al Capone do futebol brasileiro. Mas ele falou que gostava de mim porque eu “ia e voltava” por todo o campo e perguntou se iria fazer isso no Vasco. Depois questionou: “E esse cabelo aí? Você é tipo Sansão, que se cortar o cabelo, perde a força?”. Eu falei “Não sei, porque nunca cortei. Mas se cortar e perder a força, como é que fica? Como é que vou fazer o vai e volta, vai e volta?”. Ele: “Não corta não. Fica assim mesmo”. Foi a única vez que vi ele. Ele também apareceu no vestiário antes de um jogo contra o Flamengo, falando que tínhamos que ganhar. Empatamos com as calças na mão, fui ver o saldo no outro dia e tinha R$ 1.000 a mais. Imagine se tivesse ganho? Mas, em geral, ele era sossegado!
No final do ano falei que era só me dizer em que melhorar, que queria continuar no Corinthians, mas não teve nem conversa. Nem um obrigado, nem um salve. Mas fazer o que, não é? Agora vem com esse papinho de “Deuses do Futebol estão lá em cima”. Porra, não fode!
Depois do Vasco você vai para o Corinthians. Tu começou jogando bem até aquele jogo com o Santos…
Aquele jogo foi foda! Achei que eu tinha pisado na bola e fiquei caído no gramado. Comecei a jogar o Paulistão e a torcida apoiava. A torcida do Corinthians, se você “sujar o uniforme”, ela gosta. Eu já cheguei dando uns carrinhos, umas voadoras, sendo “caça-craque” mesmo. E a torcida gostando pra caralho! Até então estava com muita moral com a torcida. Até o Neto falava bem! Traíra do caralho, falava bem e de repente começava a falar mal do nada. Depois daquele jogo a torcida queria me matar. Era um tal “vai embora, seu cabeludo”, começaram a implicar com tudo, “vai embora para o São Paulo que aqui não tem cabeludo, aqui não é Bambi, não!”. Depois ainda acabei me machucando, fiquei dois meses parado. Chegaram o Elias, o Douglas e o Christian e perdi espaço. No final do ano, o Mano não quis que eu continuasse.
Ficou alguma mágoa com o Mano devido a forma como tu saiu do Corinthians?
Me chateia, sim. Faltou parceria. Deixei de voltar para Joinville e fui para o Caxias por causa dele. Quando eu saí do XV, estava tudo certo com o Joinville. Mas o Sidnei [auxiliar de Mano Menezes] me ligou e disse que o Mano me queria lá. Porra, Joinville era aqui, pertinho de casa e o salário era maior. Mas o Mano pediu, o Patrício, que saiu do XV, também iria para o Caxias. Enfim, fizemos um baita campeonato! Naquele tempo classificavam oito de vinte times. Quando chegamos, só tínhamos 8 pontos. Recuperamos e terminamos empatados com Santa Cruz, último a se classificar, perdemos nos critérios de desempate. Então surgiu o Corinthians. Com certeza ele ligou para uns oito caras antes de me chamar. Mas ninguém queria ir. No Corinthians, todo mundo quer jogar, mas série B, com aquela torcida pegando no pé, não é qualquer um que topa. Vai ver depois que essa meia dúzia não quis, ele lembrou que o Perdigão era parceiro. Fui lá e encarei junto. A torcida ficava naquela de “Aqui é Corinthians!”, como se nós tivéssemos derrubado o time. Todo dia a torcida fazendo protesto, uma tensão da porra! Eu me machuquei, mas quando precisou ajudar na série B, ajudei. No final do ano falei que era só me dizer em que melhorar, que queria continuar no Corinthians, mas não teve nem conversa. Nem um obrigado, nem um salve. Mas fazer o que, não é? Agora vem com esse papinho de “Deuses do Futebol estão lá em cima”. Porra, não fode!
Tu passou por três grandes clubes do futebol brasileiro, então: Corinthians x Palmeiras, Vasco x Flamengo ou Grêmio x Inter?
Grêmio e Inter. Os caras são loucos. Podem cair os dois times, mas um briga para ficar na frente do outro. Os estádios são próximos, a rivalidade é grande e os caras vivem futebol. Corinthians x Palmeiras também é tenso, mas a cidade é maior e tem os outros clássicos, então acaba sendo diferente.
Você se aposentou cedo, com 32 anos. O que rolou? Cansaço?
Desde os 17 anos fora de casa. Aniversário de filho, nascimento de filho, você não acompanha nada. Aniversário de irmão, casamento de irmão, primo, cunhado, você perde tudo. Os amigos ligando e você na concentração, ouvindo “só falta você aqui”. Você passa 15, 20 anos enclausurado. Falam que jogador é festeiro, mas você dá uma saidinha de noite em um domingo e já pegam no seu pé! E hoje em dia que está na moda jogador dormir no volante no trânsito? Você vai ser questionado mesmo, não pode dar essa margem. Mas com 32 anos, as portas começaram a fechar, o telefone parou de tocar. Eu comecei a ter que ligar atrás e quem há dois anos te queria, já não queria mais. Perdi espaço, se você ficar três meses sem jogar bola, some. Resolvi aproveitar minha família, tenho uns investimentos que me dão certa segurança e está tudo bem. Milionário eu não iria ficar mesmo. Não tenho depressão, estou feliz, lembro das coisas positivas. Joguei em grandes times, conheci inúmeros lugares e muita gente bacana e hoje posso dar uma condição de vida boa para minha família. Mas sabe qual a melhor parte? Ninguém poder me chamar de traíra. Isso é o maior prêmio que você pode ter na carreira. Uma das maiores vitórias que você pode ter, mais que títulos, é a transparência e a honestidade. Essas coisas não têm preço. Não tenho que reclamar de nada, só agradecer, aproveitar e agora tentar achar outro caminho. Não é tão fácil assim, depois que você para perguntam “por que você não mexe mais com futebol?”. Pô, tá cheio de picareta por aí, é complicado. Como você vai colocar seu nome, tudo que você conquistou, se de repente um maluco qualquer pode te ferrar.
Você falou que sempre teve problema com o peso. Era difícil mesmo ou você relaxava?
Era difícil mesmo! Sempre treinava pra caramba, chegava antes e saía depois. Sempre soube da minha qualidade, sabia que não era um cara veloz. Então tinha que jogar com minha resistência. E eu me posicionava bem. Nunca relaxei. Quando tinha 17 anos, era fininho, acho que é do organismo mesmo. Porra, comia uma folha de alface e engordava um quilo. Chegava, jogava, corria para caramba, perdia um monte, pesava no sábado e segunda-feira, quando voltava, já estava lá em cima de novo. Meu percentual de gordura estava sempre alto pra um atleta.
Se você pudesse falaria alguma coisa para o Walter?
Eu entendo, é algo complicado. Ele só está jogando porque é diferenciado. Porque com o tamanho dele, se fosse um jogador comum, nem para o campo treinar ele iria. Ficaria na sala de musculação, tentando achar o problema. Mas ele foi um dos artilheiros do Campeonato Brasileiro e jogando pra caralho! Vão fazer ele emagrecer para caramba no Fluminense, só que ele não pode emagrecer mais do que já emagreceu; daqui a pouco começa a perder força, arrisca ter lesão e prejudica o futebol dele. Na verdade, parem de encher o saco e deixem o cara jogar, porque ele joga muito.
No começo de 2006, você pegou a explosão do Alexandre Pato. Ele era o craque que chegaram a vender ou as pessoas colocaram expectativa demais?
Era sim! Moleque bom, por sinal. Era um cara diferenciado. Na época, ele tinha 16 para 17 anos, e no Inter tinha muito moleque bom. Muita qualidade, explosão, drible e velocidade. Os dois primeiros anos dele no Milan foram muito bons. E era um moleque novo, chegando no Milan! Depois, infelizmente, machucou. No começo ele era um meio caladão, hoje aprendeu a falar. Mas ele, pelo nome, pela imagem que construiu, por tudo que aconteceu na carreira dele, precisa ficar mais antenado. Você vê ele falando, é mesma coisa que um molequinho retraído. Qualidade ele tem, mas sempre foi um jogador mais clássico. Agora os caras querem que ele dê voadora, carrinho… Ele é atacante, se for para contratar um volante, contratem o “Perdiga”, que ele é “caça-craque”.
“Perdigordo” e “Perdicachaça” também eram “caça-craques”?
Isso é coisa de gremista, mas a torcida do Grêmio me adorava. Eu brincava muito, apavorava mesmo, depois na rua os caras chegavam e diziam “você é demais!”. Sempre fui de mandar umas frases, brincadeiras e a torcida gremista era muito bacana comigo. Um dia começaram a me chamar de Coalhada no mercado, mas levava na esportiva e os caras ficavam loucos, queriam que eu ficasse bravo. Encontrava o pessoal e me falavam “sou gremista, mas você é foda!”. Associavam minha imagem a de um cara muito de brincalhão, como se não quisesse nada com nada e isso não era verdade. Foram vários títulos, vários times, grandes ou não, mas sempre trabalhando forte. Tinha esse jeitão divertido, mas quando era pra trabalhar, trabalhava mesmo! E fui evoluindo ao longo da minha carreira. No começo, era mais rápido, mais habilidoso, mais novo. Depois fiquei mais velho e virei garçom! Conforme o tempo vai passando, você se adapta a um novo ritmo de vida.
De segunda a quarta descanso, porque churrasco e cerveja quatro dias na semana é puxado.
Pra que time você torcia quando começou a jogar bola?
Coxa. Na época era um nome forte no estado. Meu pai era santista, então, às vezes, também fazia um agrado pro velho. O Paraná Clube ainda não existia, eram Pinheiros e Colorado. Já o Coritiba e o Atlético estavam ali, mais fortes em Curitiba e acabei escolhendo o Coxa.
E hoje, por qual time o Perdigão torce?
Quando me tornei jogador veio o Paraná. Acabei virando paranista, por tudo que aconteceu, por ter saído dali, por ter aprendido muito no clube. Me deu base, estrutura para tocar a minha carreira. Também gosto de ver os meus parceiros jogando bem, tipo o Alex, no Coritiba, o Índio no Inter. Mas torço pelo Paraná pela gratidão.
Hoje tu toma tua cervejinha, come churrasco, enfim, aproveita a vida?
Sim, ontem mesmo nós fizemos um churrasco aqui. Hoje tô curtindo muito, levo as crianças no colégio. Sou um pai mais presente, porque no passado não havia essa possibilidade. De vez em quando, bato minha bolinha. E tenho meus empreendimentos, que proporcionam minhas rendinhas. E nesses quatro anos pós-aposentadoria, aproveitei mesmo, fiquei mais de boa.
Nós organizamos um campeonato de futebol [ImpedCopa], duas vezes por ano. Podemos te convidar para o próximo? Tem churrasco também.
Porra, claro! Mas só se for entre quinta e domingo. De segunda a quarta descanso, porque churrasco e cerveja quatro dias na semana é puxado. E, também, não jogo mais que 15 minutos. Pode colocar no contrato que eu assino!